sábado, 12 de julho de 2008

Edivaldo e Wanda

Edivaldo era guarda municipal. O mulato de cara risonha sonhava em se tornar policial, como não passara no concurso da PM, virou guarda. Ele desejava combater bandidos, garantir a segurança da cidade. Na guarda, seus algozes eram os camelôs. Vindo de família pobre do interior, Edivaldo não gostava de confiscar a mercadoria dos vendedores. Sentia pena dos trabalhadores e raiva da corporação, que o obrigava a tomar aquela atitude. Copacabana era sua área de trabalho. Passava os dias ordenando o espaço urbano local e sentia orgulho disso. Naquele mesmo bairro, trabalhava Wanda, uma fiscal de ônibus. Diariamente tomava nota dos ônibus que passavam por ali. Os dois se conheceram por obra do acaso. Os cabelos ondulados, os lábios grossos e a carne morena atraiam o rapaz tanto quanto sua personalidade. Moça esperta do subúrbio, geniosa, malandra, vivida. Wanda despertava todos os desejos de Edivaldo, que por diversas vezes a chamara para um café após o expediente. Wanda sempre recusava, dizia que tinha homem em casa à sua espera. Mesmo assim os dois passavam as tarde batendo papo em frente a Praça Sezerdelo Corrêa. Ela sempre se despedia às 18 horas com um beijo no rosto brilhante e negro do rapaz e adentrava a condução rumo além túnel. Certo dia, o guarda comprou um cuscuz e uma rosa e ofereceu o mimo junto com todo amor que possuia dentro de si. Wanda recusou o sentimento e a flor, mas aceitou o doce. No entanto, disse que havia uma possibilidade de saírem juntos. Se ele pagasse um motel ela "tomaria o café" que tando Edivaldo insistia. “Tem que ser motel de luxo. Se conseguir, eu levo o açúcar para adoçar nosso café”, disse atiçando ainda mais a imaginação interiorana do rapaz. Ele nunca havia ido ao motel na vida. Sem dinheiro para o luxo, Edivaldo queimou neurônios para encontrar maneira de deitar com a morena curvilínea. O salário de R$ 490 mal dava para ajudar nas contas de casa e sua falta de esperteza restringia ainda mais suas possibilidades. Até que um colega de labuta lhe ofereceu a oportunidade ideal. Confiscariam toda a mercadoria do camelô mais famoso de Copacabana e venderiam para um cara da Baixada Fluminense. O rapaz não simpatizou, mas pressionado pela libido aceitou a proposta. A ação foi um sucesso. O fruto da operação rendeu R$ 300, dinheiro suficiente para o motel. Edivaldo correu até o ponto de ônibus ofegante pela novidade e disse à Wanda que naquela noite seus corpos iriam se confundir na cama do motel mais chique da Zona Sul, o Vip's. Um misto de desconfiança e euforia tomou conta da moça que prontamente telefonou para seu homem avisando que naquela noite se atrasaria. Na cama, a moça esperta e vivida mostrou-se bastante pragmática. Chata, até. Não fazia nada demais. Tudo que Edivaldo tentava era rechaçado pela mulher. “Não sou disso”, repetia sempre que ele tentava algo mais ousado. O rapaz esperava uma transa arrebatadora, mas o que ocorreu não chegava nem perto disso. Frustrado, o guarda acompanhou a garota até a saída do motel uma hora antes do período terminar. Antes de entrar na condução, Wanda lhe deu um beijo na boca e disse: “Da próxima vez eu libero mais coisa”. Como um foguete, a afirmação levantou o ânimo do rapaz, que imediatamente arquitetou plano para arranjar mais algum. Convicto de que o camelô mais famoso de Copacabana seria sua fonte de renda, Edivaldo passou a confiscar semanalmente a mercadoria do ambulante. A pena já não o consumia, na verdade até gostava daquilo. Quando uma ponta de remorso o invadia, ele pensava em Wanda e nas suas coxas negras tocando seu corpo. E durante um mês, os dois foram ao motel diversas vezes e o sexo esquentava a cada episódio. O rapaz tímido do interior a dominava sem nenhum constrangimento e Wanda não negava mais nada. Os dois passaram a viver uma paixão intensa regada à febre. O desespero por dinheiro fez de Edivaldo uma figura odiada pelos camelôs. O mais famoso de Copacabana, cansado de ter sua mercadoria confiscada, jurou vingança com um estranho brilho no olhar. Certo dia, Edivaldo despediu-se de Wanda com um caloroso beijo na boca. A moça, da janela da condução, observou a silhueta do rapaz desaparecer na rua. Ele aguardava a próxima ida ao motel com paciência de quem espera um prato de comida. Ao virar a esquina, o camelô mais famoso de Copacabana, de tocaia, o surpreendeu com cinco facadas nos rins. O rapaz caiu no chão e ali deu seus últimos suspiros com vida. Wanda nunca soube da morte de Edivaldo. Meses depois, a moça já se esquecera daquele período de idas ao motel. Um dia, parada no ponto, conheceu outro rapaz que lhe encantara pela malemolência e malandragem.
– Fala, linda. Meu nome é Gilmar.
– Sou Wanda – disse jogando o cabelo moreno.
– Você sabia que eu sou o camelô mais famoso de Copacabana?

4 comentários:

Iara Scherer - Psicóloga Clínica disse...

Belíssimo!!! Texto de palavras poderosas, cheio de lirismo, poesia e mistério, elementos essenciais para prender a atenção e fazer perder o fôlego do leitor! Parabéns, Lucas, você vai longe, muito longe!
Vou ler os outros agora! Sou Iara, colega da sua mãe da USU e agora sua fã incondicional! Parabéns!
Bjão!

Anônimo disse...

Você tem talento, jovem!

Anônimo disse...

Você tem talento mesmo, o texto é ótimo! Parabéns!

Anônimo disse...

não tem pra ninguém!!!