sábado, 5 de julho de 2008

Parede Viva

Na mão direita, entre os dedos indicador e médio, ostenta um cigarro da graciosa. O polegar ataca as cordas do violão e dita o ritmo de uma juventude. Uma fina moldura preta delimita o pôster do Bob Marley feito a truculenta mão do mercado musical. Coloco-o no centro da parede. Observo. Comprei mais vários pôsteres e decorei minha vida só com gente que já deu dois passos na eternidade. Fiz uma parede mórbida com fotos de todos que, se pudesse, voltaria no tempo para vê-los no palco lançando suas rajadas performáticas. Certo dia busquei num centro kardecista a chance de ouvi-los post mortem com suas guitarras e violões espirituais. Desisti da idéia porque sinto um cagaço danado de fantasmas. O mais perto que consegui chegar deles foi pendurando-os em minha parede. Dividi o quarto por setores. Do lado direito, coloquei aqueles que gostaria de ter visto pessoalmente: Bob, Fred Mercury, Hendrix, Renato Russo, Elis, Cássia Eller e etcetera. Do esquerdo – o do coração – pendurei os que me envaidecem. Dorival Caymmi, por exemplo, habita a parte esquerda da parede do meu quarto – lado do coração, coração de brasileiro orgulhoso. Está lá porque tenho a impressão de conhecer sua obra a fundo, além de alimentar empatia paternal por aquela figurinha do bigode grisalho. A seu lado estão Vinicius, Tim Maia,Tom, Cartola, e muitos outros que me deixam saudoso de um tempo que nunca vivi. No topo da árvore moribunda estão dois pôsteres, de dois caras sensacionais – para mim os melhores – que empolgaram filhos e abalaram pais. Doidões com atitude rebelde e libertina, que até hoje lamento não tê-los visto. Um pecou por se entregar à poesia e ao lsd, o outro por não segurar sua libido e chafurdar-se no pó. Sim, Jim Morrison e Cazuza estão bem perto do teto do meu quarto. Rock mata cedo que nem vinho mata a timidez. Gostaria de ter visto a psicodelia do Morrison e as cusparadas de Cazuza sobre o moralismo da classe média. Ainda que tomada por quadros, há espaço para mais. Decidi pendurar de gente viva também, que viu esse povo de perto, participou das loucuras e está aí pra contar a história. Coloquei a Rita Lee ao lado do David Bowie. A primeira, porque viveu em meio à garotada que se embrenhava com empenho nas drogas. O segundo, porque deve ter deitado com o pessoal do Fred Mercury e não foi tocado pela maldita. Tenho mais três paredes no quarto, não sei com quem decorá-las. Sugestões?

7 comentários:

Lucas Vettorazzo disse...

cometi uma enorme injustiça, minha gente. o Dorival Caymmi está VIVO.
Desculpem.

Anônimo disse...

A leitura do seu texto me transporta ao local do relato.
Eu vejo as imagens se formando a medida que vou passando as linhas.
Nem todo escritor tem essa capacidade.
Parabéns

Unknown disse...

Lucas achei super legal o seu blog, melhor ainda é ter uma namorada superempolgada que te incentiva a fazer coisas muito legais,como ir ao asilo, pode ter certeza que você vai levar essa experiência no seu coração e na sua memória para o resto da sua vida.Ter um pai chorão e babão pelo príncipe dele não é novidade.Queria que você soubesse que fico feliz de ver aquele menino que conheci calado,assustado,desconfiado hoje é um homem cheio de sonhos e sonha alto, Veríssimo um pouco mais magro porque não um Pedro Miau para as gatas fazerem miauuuuuuuuu para você.Vou deixar um pensamento de uma cliente minha que diz o seguinte: Mirar na lua pra chegar no Irajá........... Beijos REGINA

Iara Scherer - Psicóloga Clínica disse...

Suas palavras me transportam para minha própria juventude e para meus sonhos que, como sabemos, estao sempre vívidos e presentes em nosso inconsciente...Ler você me faz lembrar um pouco de mim mesma, jovem, linda e rebelde na juventude que teima em aflorar apaixonadamente insana por causa mesmo de suas palavras...

Anônimo disse...

Irmão, como pôde esquecer de Chico! Logo vc!?!
O blog está maravilhoso!
Beijocas,
Juliana

Flávia Muniz Cirilo disse...

Deve ser esse o texto que falou!Você escreve bem!Nos conhecemos na Lapa outro dia.

bj,
Flávia

Anônimo disse...

Agora não está mais. Durma em paz, Dorival.