terça-feira, 8 de julho de 2008

Inevitável


Por sugestão da minha superempolgada namorada fiz meu primeiro trabalho voluntário. A Duda e sua trupe de aspirantes a psicólogas desenvolveram projeto que prevê visitas mensais a um asilo com o intuito de alegrar a vida daqueles que estão muito próximos da curva da morte. Eu iria mais como jornalista do que qualquer coisa. Minha incumbência era filmar. Aceitei sabendo que minha participação não se restringiria ao registro.
A Duda planejou um baile com música, dança e brindes para inaugurar o projeto. Eu estava eufórico e apreensivo com a idéia. Fomos ao asilo e, recebidos pela madre Justina, começamos a enfeitar o salão de festas, que estava cheio de cadeiras e com uma mesa de biscoitos e guaraná no canto. Começamos a encher os balões e a cada baforada os velhinhos enchiam a sala. Uns vinham em cadeiras de rodas e outros andavam com dificuldade, amparados por enfermeiras ou acompanhantes. Havia também aqueles que as pernas eram fortes, porém a surdez ou a cegueira os castigavam. Colocamos a música e com cinqüenta participantes o baile começou. Incentivamos a dança prometendo brindes para os mais animados.
Eu que estava lá só para fazer o registro não fiquei um segundo atrás da câmera. Fui o primeiro a tirar uma senhora pra dançar, as meninas por sua vez chamavam os senhores. Ofegantes e alegres, os velhos davam gargalhadas, formavam pares, contavam suas histórias de vida, ganhavam brindes, comiam biscoito e se divertiam com a visita atípica. Entre uma dança e outra, aproveitava para conversar com cada um deles. A atenção é um bem muito precioso quando se vive isolado da família. Os velhos contavam suas histórias e meu coração apertava a cada relato.
Durante toda a visita estive feliz e triste ao mesmo tempo. Feliz por levar um pouco de alegria e atenção àqueles senhores e senhorinhas. E triste por constatar a violência que é envelhecer, na maldade que o tempo faz com a gente. O nó na minha garganta aumentou ainda mais quando entendi a solidão daquelas pessoas. Longe dos parentes, elas aguardam a morte torcendo para que seja indolor. Ouvi mais de trinta vezes a expressão “Deus te abençoe, meu filho”. Não sei ao certo como a vida me retribuirá pelo feito, mas uma coisa é certa, aqueles velhos fizeram eu me sentir melhor.
Há muitas incertezas nesse mundo. Muita discordância. Diferentes visões políticas, sociais, religiosas, ideológicas. Mas uma certeza coloca todos os habitantes do planeta como iguais: a certeza da Morte. Inevitavelmente, o ser humano vive em contagem regressiva desde o momento do nascimento, ou melhor, desde antes dele. O tempo tem efeito corrosivo sobre a pessoa. As feridas na alma vão cicatrizando e deixando marcas profundas no corpo. Foi numa conversa com a sempre entusiasmada em assuntos relacionados à psicologia e à vida e profunda entendedora da subjetividade, minha namorada Duda, que abri a cabeça para a seguinte questão: simultaneamente, o tempo é gentil e cruel com o ser humano.
Gentil por que ajuda a superar traumas, cicatriza feridas na alma, dissolve mágoas, cura mazelas sentimentais e dores de cotovelo. O tempo mostra sua face cruel quando arranca rapidamente a juventude da pessoa, apodrece a carne morosamente, promove um genocídio de neurônios a cada novo ano, surrupia o bom desempenho dos olhos. Marcas e mais marcas aparecem no corpo e na mente simbolizando o prenúncio dela: a morte. Há quem diga que não a teme, há quem sinta pavor só de tocar em seu nome, mas uma coisa é certa: ela é inevitável.

3 comentários:

Música e Patchwork disse...

Amei! Claro que sou suspeita para falar. Corujice à parte, você é genial, meu sobrinho.
bjos

Anônimo disse...

Finalmente consegui postar um comentário no seu blog !!! Elogiar é desnecessário, vc sabe disso, até porque sou sua fã nº1, desde um dia há muitos anos atrás, vc bem pequeno disse muito sério para mim: "mãe, acho que vou escrever um livro!"
Talvez um dia esse livro seja escrito, talvez não, mas com certeza esse Blog serve para exercitar essa sua veia literária, muito bonita, sensível e particular. Igual a vc...
Te amo, bjs

Iara Scherer - Psicóloga Clínica disse...

Lucas, você realmente tem o dom! E esse seu dom juntamente com a doce e competente iniciativa de Duda, fazem de vocês um par celestial! Tenho filhos adolescentes e vivo me perguntando para onde caminha a juventude de hoje - papo recorrente daqueles que como eu já passaram dos quaren...oops!, dos trinta, digamos, he he...Quando vejo esse relato límpido de uma experiência tão rica quanto a de vocês dois, renascem minhas esperanças no futuro! Espero poder ter a sabedoria de sua mãe para criar meus filhos com esse espírito lindo e leve, característico de todos os homens de bem!
Quanto à morte, sim ela é inevitável, mas se deixa ficar em suspenso e adormecida, embalada por palavras que, como as suas, eternizam o espírito humano...