segunda-feira, 24 de novembro de 2008

O Pasta está famoso

Queridos vizinhos virtuais, vitória! O Pasta Amarela está ficando famoso.

O Pasta foi indicado como boa leitura no blog da revista Em Branco, uma publicação mensal muito bacana feita só com conteúdo de colaboração produzido por universitários. Para mim, é uma das melhores revistas voltadas ao público jovem do Rio - vamos combinar que a Megazine é um saco, só o Cuenca salva. Fiquei muito feliz com o post dedicado ao Pasta e minha próxima meta é publicar algo na revista, já que fiquei sabendo que eles reservam um cascalho a quem tem seu material publicado por lá - essa vida de estagiário durango está me matando. A revista é ditribuida gratuitamente nas faculdades e pode ser baixada pelo site.

http://www.revistaembranco.blogspot.com/


Valeu equipe da Em Branco.

Queridos leitores, novos textos estão a caminho!

Abraços.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Amigos,

o blog, solidário com os EUA, entrou em recessão. As férias estão chegando, os textos virão junto.

Até breve.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Noivo esperto


Cid estava louco pra casar-se com Ângela, há meses, mas para isso precisariam noivar primeiro. “Porra-louca combina com porra-louca”, pensou Cid, enquanto tomava o café mais ralo do mundo. Só conseguiu prepará-lo depois de raspar farelos de duas latas que tinha na dispensa. “Pra que que tenho duas latas de café se nenhuma delas nunca está cheia”, perguntou a si mesmo. Pouco importava a resposta. Seu pensamento mudou de direção rumo ao pedido de noivado que ele faria à Ângela em poucas horas. Tomou um banho rápido, economizando o sabonete, porque era o último e, caso o pedido fosse aceito, poderia rolar um sexozinho de comemoração e era conveniente ter um sabonete para o banho de depois. Foi trocar-se. Pegou uma calça jeans, surrada pelo constante trajeto entre rua e máquina de lavar, tendo freqüentado mais a rua do que a lavadora, e enfiou uma blusa de algodão pela cabeça. Catou, no canto do cabideiro, um blazer bege não tão surrado quanto o jeans, que ele guardava para ocasiões especiais.
Cid não era um pobretão, mas vivia como um. Tinha algum dinheiro, mas era um desleixado inveterado. Foi morar sozinho depois que a mãe viúva não agüentou suas festinhas com a galera. Mas a mãe, com seu o coração encharcado de piedade e culpa, todo mês lhe dava dinheiro para as contas, somente o suficiente para os vencimentos e nada mais. Mensalmente, ele enrolava sua mãe e usava metade da grana.
Cid estava morrendo de medo da resposta que Ângela poderia lhe dar. Completamente inseguro, começou a fumar em série, acendendo sempre um cigarro na brasa final do anterior. Ganhou a rua rumo à casa de Ângela: uma república a oito quadras da casa dele. Como o café não o alimentara, parou na padaria e pediu um pão com manteiga. Suas mãos, suadas pelo nervosismo, vacilaram deixando o pão cair em seu colo com a manteiga virada para baixo, o que formou uma mancha brilhante na camisa do rapaz. Cid grunhiu de raiva entendendo que aquilo poderia ser sinal de mau agouro. Ficou mais nervoso ainda e, para provar para si mesmo que aquilo não era nada, catou a outra banda e a atirou no chão. “Se o pão cair com a manteiga virada para cima, o azar será desfeito”, torceu Cid. O pão deu duas voltas em torno de si e caiu do jeito que ele queria.
Saiu da padaria suspirando, mesmo tendo sacrificado metade do seu café da manhã, e constatou: “preciso brindar minha sorte”, disse, entrando no boteco da esquina. Decidiu, então, tomar um Dreher. Fez tim tim com a garrafa e de uma golada só matou a dose. A bebida desceu como ferro quente. Subitamente um pensamento estranho lhe deixou ressabiado: “Não posso fazer um pedido de noivado com bafo de conhaque”, pensou, decido a tomar um cafezinho para aliviar o hálito. E por todo o trajeto foi assim: quando via na rua algo que acreditasse trazer azar, buscava outra coisa que pudesse “afastá-lo”. Por exemplo: se visse um gato preto, procurava um gato branco. Ficou nessa loucura supersticiosa pelo caminho inteiro. Toda vez que conseguia rebater o azar, tomava uma dose para “brindar a sorte”, seguida daquele cafezinho para disfarçar o bafo. Fez isso pelo menos mais cinco vezes.
Faltando 10 metros para a portaria da moça, Cid caminhava trocando as pernas e com os dedos em figa, porque acabara de passar perto de uma escada. E mesmo que não houvesse passado por debaixo dela, acreditou que aquilo era o azar se aproximando. Tocou o interfone sentindo o verdadeiro cagaço, chegara “a hora da verdade”. Ouviu um estalido e depois a voz do outro lado, se identificou: “É o Cid”. Subiu no elevador fumando desesperadamente, sem se dar conta de que não era permitido. Ao chegar ao apartamento uma garota lhe atendeu, ela tinha as pernas peludas e cara de pernoite. “A Ângela saiu. Pode esperar no sofá que ela já deve estar de volta”, falou sem nenhuma emoção na voz. Sentou-se e o desespero lhe alcançou à cabeça novamente. Ângela demorava a retornar e Cid roia as unhas com uma voracidade assustadora. Num canto da sala, um espelho convidava o reflexo de Cid para um tete a tete. Aproximou-se e teve a terrível constatação: sua cara era um misto de doidão com trincado. As doses de café e conhaque deixaram sua aparência próxima do assustador, parecia um peixe elétrico fora d’agua, cambaleante e veloz. Imediatamente, uma aflição tomou conta de si. Correu ao banheiro, lavou o rosto, bochechou água com pasta de dente, deu uma mijada. Ouviu a chave girando na porta, era a Ângela. Pôs-se de joelhos e fez o pedido, enrolando a língua. “Quer ser minha noiva?”. Os olhos amáveis de Ângela encontraram os marejados de Cid. Ela levantou-o pelo braço, abraçou-o com força, deu-lhe um beijo ao mesmo tempo em que uma lágrima corria de seus olhos e disse: “Nós já somos noivos, Cid”.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

O gosto pelo torto

Há algum tempo tenho alimentado afeição pelo imperfeito. Confesso que mudei ao longo da vida. Quando era pequeno, por exemplo, só me apaixonava pela menina perfeita, que possuía a beleza higiênica, irretocável. Para mim, o imperfeito é belo. Teve épocas em que cheguei a me interessar pelas gordinhas, tradicionais imperfeitas de corpo. Não me levem a mal mas minha namorada é um exemplo, ainda que diminuto, de como a imperfeição pode ser bela. Ela tem duas pintinhas ao lado da boca. Isso é uma vírgula, um tropeço, um descaminho estético, que para mim é absolutamente lindo, sublime. Sem esse “tropeço” sua beleza não seria completa. Que fique claro que as imperfeições, no âmbito estético, são deslizes e não aberrações como pintas peludas e dentes acavalados.
O fato é que as imperfeições são o sal do mundo. Imagine o tédio de uma cidade sem defeitos, feito casa de obsessivo por arrumação ou limpeza. Nenhuma almofada fora do lugar, nenhum pelo de cachorro voando impunemente, a cor da louça combinando com a da cortina. É simplista, admito. Mas imagine o que seria do rico se não houvesse o pobre, do Eu se não houvesse o outro.
Engraçado, pode parecer forçação de barra ou até loucura da minha parte, mas essa antítese entre perfeito e imperfeito está entranhada na disputa entre os candidatos à Prefeitura do Rio. De um lado está o Eduardo Paes. O que desde o começo esteve à frente na disputa, o que “conhece o Rio”, que tem “experiência e competência administrativa”, um político de centro, o preferido dos certinhos, o perfeito. Do outro, está o Gabeira. O azarão, o “seqüestrador subversivo”, o afeminado de tanguinha que defende a maconha, o de esquerda, o imperfeito. Na realidade, ele é o perfeito imperfeito. Não sei se já mencionei, mas há algum tempo tenho alimentado afeição pelo imperfeito. Quem pensa igual, digita 43 e confirma.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Psicologia


Certo dia estava discutindo sobre psicologia com um senhor amigo. No alto de seus 60 anos ele dizia que de nada servia a psicologia nem os psicólogos. Que para resolver angústias internas basta tomar um porre e desabafar com um amigo. Feito isso, suas frustrações iam embora sem deixar rastro. Eu discordo completamente. Não dá para desprezar a ciência. Pessoas dedicam cinco anos de estudo para compreender a mente e o comportamento humano. O homem não é tão auto-suficiente assim.
Existem problemas que, de tão embaraçosos que são, não são contados para ninguém, nem mesmo para seu cachorro e muito menos para aquele seu amigo fiel. Creio que o psicólogo não resolva problemas, mas ele mostra os caminhos, indica as trilhas para encararmos o que nos atordoa. O psicólogo é um andarilho solitário que vaga pelo deserto sinuoso e obscuro que é o cérebro humano.
Um velho calejado que anda apoiado num cajado, e, munido de lupa de precisão, é capaz de investigar as cavernas mais profundas, as vielas mais estreitas, capaz de chafurdar o inconsciente e buscar pistas relevantes em lugares nunca dantes habitados. Nada fica para trás. Tudo é minuciosamente estudado, como um restaurador de peças de arte. Ele é um ermitão da mente humana.
Acredito que a personalidade é uma casa que a pessoa constrói, sozinha, ao longo de toda sua vida. Nenhuma outra casa é construída por apenas uma pessoa, somente no cérebro isso ocorre. É devido a essa dificuldade que certas pessoas preferem construir casas de madeira e não de tijolo.
O psicólogo é uma espécie de mestre de obras que auxilia as pessoas a tocar essa obra tão penosa. Ele indica em qual cômodo está faltando chão, aonde precisa consertar o teto, quais portas devem ser abertas e quais janelas devem ser fechadas.
Tem coisas na vida que são exteriores a nós, nos pegam de surpresa e nos impedem de continuar a obra com serenidade. "Só o autoconhecimento expulsa os demônios das pessoas" (acho já li frase semelhante em algum muro da cidade). Bom, para quem acha que, pouco a pouco, está sendo dominado pela loucura ou que sua obra está preste a desmoronar, porque não recorrer a ajuda dessa ciência tão fascinante? Conheço uns psicólogos bem baratinhos. E vocês, o que acham dessa ciência?

* texto publicado em 5 de julho de 2007 no www.sobrecasaca.blogspot.com – um blog que divido com amigos. Visitem.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Copacabanoir



A redação estava lotada. O editor da local atendeu a mais um entre tantos telefonemas do dia. Noutro lado da linha diziam que uma mulher havia sido jogada de um prédio em Copacabana. O editor não precisou mais que alguns segundos para tomar sua decisão. Correu os olhos pelas mesas cinzas, lotadas de blocos de papel rabiscados à caneta, com homens debruçados em telefones e teclados. Apontou para o novato, que havia sido contratado no dia e terminava de redigir sua matéria, e o mandou ao bairro acompanhado de um fotógrafo.
Eram oito e meia da noite, pingos grossos de chuva estalavam no para-brisa, o carro ganhava o subúrbio rumo à zona sul. Dentro do Rebouças, as luzes ocre preenchiam o carro com o mau agouro. Não havia muita conversa, a noite seria longa, todos sabiam.
Na Rua Beforld Roxo um circo estranho estava montado. A chuva, que já era um toró, espantara a multidão para debaixo das marquises, e como o corpo não podia dar-se ao luxo de proteger-se ficou ali, impávido, exposto feito uma obra de arte contemporânera rabiscada de vermelho. Alíás, além do preto do saco plástico só se via vermelho, o do sangue que envolvia a cabeça da mulher e o do esmalte de suas unhas dos pés. Era uma mulher alta e somente os pés estavam descobertos. Uns pés bonitos.
A perícia não havia chegado. Quem passou o telefonema para a redação o fez antes dela ter caído, já que ninguém mais de imprensa chegara. Do Rio Comprido até Copacabana foram-se 40 minutos ou mais. Na pessoa do novato, só o JB tinha chegado. Ele se aproximou do policial encarregado, um negro com a farda rota e barriga acentuada, que debaixo da marquise só sabia que choveu mulher de um prédio, uma prostituta talvez.
O novato foi direto no porteiro, um paraíba que estava louco para falar o que sabia. Em pouca conversa disse que a moça havia chegado de Brasília há menos de um ano e tinha 20 anos. O porteiro disse que ela estudava e não era prostituta, embora morasse em um prédio infestado delas. O novato perguntou se existia motivo para ela se jogar da janela. Ele respodeu que ultimamente ela parecia triste, desgostosa. O paraíba disse ainda que ela recebia visita de seu pai com frequência.
O corpo estava no limite da calçada com a rua, o novato percebeu que se ela tivesse se jogado teria caído na marquise. Mesmo que tivesse corrido e mergulhado, não atingiria aquela distância, o para-peito era alto. Só poderia ter sido jogada. A perícia chegou e arrombou a porta do quatro e sala do sexto andar. E lá, além de um disco do Legião Urbana partido em pedaços, estava uma carta de suicídio. Havia muitas caixas de anti-depressivo no banheiro reforçando a tese suicida.
O local era decorado por uma porção de porta-retratos. Em sua maioria, fotos de família. Numa delas havia legenda e o novato reparou que o pai da moça era figura constante. Noutra foto, estavam a moça e seu pai com com os rostos colados e copos de champanhe na mão. Os cantos de seus lábios quase se encostavam, parecia foto de casal e não de pai e filha. O novato estranhou, logo pensou que o pai a afastara da família para viver um relacionamento incestuoso com sua filha, que tinha corpo de mulher e rosto de menina. Alguma coisa pode ter dado errado e ele lançara a garota pela janela. Mas os detetives já tinham sacramentado o suicídio e, cansado, o novato preferiu não atacar de detetive. Voltou à redação com a história de um suicídio.
O dia tinha sido estafante. O editor filho-da-puta costumava testar os novatos no primeiro dia, para ver se tinham sangue de barata. Antes de Copacabana, ele mandara o novato para o Méier onde uma tubulaçao de esgoto estourada provocara um chafariz de merda no meio da rua. Chegando na redaçao o ambiente estava à meia luz, era tarde. O editor pediu uma notinha e perguntou: ''E ai, novato! Quem matou ela?''. Sem titubear, repondeu: "Copacabana a matou''.

sábado, 12 de julho de 2008

Edivaldo e Wanda

Edivaldo era guarda municipal. O mulato de cara risonha sonhava em se tornar policial, como não passara no concurso da PM, virou guarda. Ele desejava combater bandidos, garantir a segurança da cidade. Na guarda, seus algozes eram os camelôs. Vindo de família pobre do interior, Edivaldo não gostava de confiscar a mercadoria dos vendedores. Sentia pena dos trabalhadores e raiva da corporação, que o obrigava a tomar aquela atitude. Copacabana era sua área de trabalho. Passava os dias ordenando o espaço urbano local e sentia orgulho disso. Naquele mesmo bairro, trabalhava Wanda, uma fiscal de ônibus. Diariamente tomava nota dos ônibus que passavam por ali. Os dois se conheceram por obra do acaso. Os cabelos ondulados, os lábios grossos e a carne morena atraiam o rapaz tanto quanto sua personalidade. Moça esperta do subúrbio, geniosa, malandra, vivida. Wanda despertava todos os desejos de Edivaldo, que por diversas vezes a chamara para um café após o expediente. Wanda sempre recusava, dizia que tinha homem em casa à sua espera. Mesmo assim os dois passavam as tarde batendo papo em frente a Praça Sezerdelo Corrêa. Ela sempre se despedia às 18 horas com um beijo no rosto brilhante e negro do rapaz e adentrava a condução rumo além túnel. Certo dia, o guarda comprou um cuscuz e uma rosa e ofereceu o mimo junto com todo amor que possuia dentro de si. Wanda recusou o sentimento e a flor, mas aceitou o doce. No entanto, disse que havia uma possibilidade de saírem juntos. Se ele pagasse um motel ela "tomaria o café" que tando Edivaldo insistia. “Tem que ser motel de luxo. Se conseguir, eu levo o açúcar para adoçar nosso café”, disse atiçando ainda mais a imaginação interiorana do rapaz. Ele nunca havia ido ao motel na vida. Sem dinheiro para o luxo, Edivaldo queimou neurônios para encontrar maneira de deitar com a morena curvilínea. O salário de R$ 490 mal dava para ajudar nas contas de casa e sua falta de esperteza restringia ainda mais suas possibilidades. Até que um colega de labuta lhe ofereceu a oportunidade ideal. Confiscariam toda a mercadoria do camelô mais famoso de Copacabana e venderiam para um cara da Baixada Fluminense. O rapaz não simpatizou, mas pressionado pela libido aceitou a proposta. A ação foi um sucesso. O fruto da operação rendeu R$ 300, dinheiro suficiente para o motel. Edivaldo correu até o ponto de ônibus ofegante pela novidade e disse à Wanda que naquela noite seus corpos iriam se confundir na cama do motel mais chique da Zona Sul, o Vip's. Um misto de desconfiança e euforia tomou conta da moça que prontamente telefonou para seu homem avisando que naquela noite se atrasaria. Na cama, a moça esperta e vivida mostrou-se bastante pragmática. Chata, até. Não fazia nada demais. Tudo que Edivaldo tentava era rechaçado pela mulher. “Não sou disso”, repetia sempre que ele tentava algo mais ousado. O rapaz esperava uma transa arrebatadora, mas o que ocorreu não chegava nem perto disso. Frustrado, o guarda acompanhou a garota até a saída do motel uma hora antes do período terminar. Antes de entrar na condução, Wanda lhe deu um beijo na boca e disse: “Da próxima vez eu libero mais coisa”. Como um foguete, a afirmação levantou o ânimo do rapaz, que imediatamente arquitetou plano para arranjar mais algum. Convicto de que o camelô mais famoso de Copacabana seria sua fonte de renda, Edivaldo passou a confiscar semanalmente a mercadoria do ambulante. A pena já não o consumia, na verdade até gostava daquilo. Quando uma ponta de remorso o invadia, ele pensava em Wanda e nas suas coxas negras tocando seu corpo. E durante um mês, os dois foram ao motel diversas vezes e o sexo esquentava a cada episódio. O rapaz tímido do interior a dominava sem nenhum constrangimento e Wanda não negava mais nada. Os dois passaram a viver uma paixão intensa regada à febre. O desespero por dinheiro fez de Edivaldo uma figura odiada pelos camelôs. O mais famoso de Copacabana, cansado de ter sua mercadoria confiscada, jurou vingança com um estranho brilho no olhar. Certo dia, Edivaldo despediu-se de Wanda com um caloroso beijo na boca. A moça, da janela da condução, observou a silhueta do rapaz desaparecer na rua. Ele aguardava a próxima ida ao motel com paciência de quem espera um prato de comida. Ao virar a esquina, o camelô mais famoso de Copacabana, de tocaia, o surpreendeu com cinco facadas nos rins. O rapaz caiu no chão e ali deu seus últimos suspiros com vida. Wanda nunca soube da morte de Edivaldo. Meses depois, a moça já se esquecera daquele período de idas ao motel. Um dia, parada no ponto, conheceu outro rapaz que lhe encantara pela malemolência e malandragem.
– Fala, linda. Meu nome é Gilmar.
– Sou Wanda – disse jogando o cabelo moreno.
– Você sabia que eu sou o camelô mais famoso de Copacabana?

terça-feira, 8 de julho de 2008

Inevitável


Por sugestão da minha superempolgada namorada fiz meu primeiro trabalho voluntário. A Duda e sua trupe de aspirantes a psicólogas desenvolveram projeto que prevê visitas mensais a um asilo com o intuito de alegrar a vida daqueles que estão muito próximos da curva da morte. Eu iria mais como jornalista do que qualquer coisa. Minha incumbência era filmar. Aceitei sabendo que minha participação não se restringiria ao registro.
A Duda planejou um baile com música, dança e brindes para inaugurar o projeto. Eu estava eufórico e apreensivo com a idéia. Fomos ao asilo e, recebidos pela madre Justina, começamos a enfeitar o salão de festas, que estava cheio de cadeiras e com uma mesa de biscoitos e guaraná no canto. Começamos a encher os balões e a cada baforada os velhinhos enchiam a sala. Uns vinham em cadeiras de rodas e outros andavam com dificuldade, amparados por enfermeiras ou acompanhantes. Havia também aqueles que as pernas eram fortes, porém a surdez ou a cegueira os castigavam. Colocamos a música e com cinqüenta participantes o baile começou. Incentivamos a dança prometendo brindes para os mais animados.
Eu que estava lá só para fazer o registro não fiquei um segundo atrás da câmera. Fui o primeiro a tirar uma senhora pra dançar, as meninas por sua vez chamavam os senhores. Ofegantes e alegres, os velhos davam gargalhadas, formavam pares, contavam suas histórias de vida, ganhavam brindes, comiam biscoito e se divertiam com a visita atípica. Entre uma dança e outra, aproveitava para conversar com cada um deles. A atenção é um bem muito precioso quando se vive isolado da família. Os velhos contavam suas histórias e meu coração apertava a cada relato.
Durante toda a visita estive feliz e triste ao mesmo tempo. Feliz por levar um pouco de alegria e atenção àqueles senhores e senhorinhas. E triste por constatar a violência que é envelhecer, na maldade que o tempo faz com a gente. O nó na minha garganta aumentou ainda mais quando entendi a solidão daquelas pessoas. Longe dos parentes, elas aguardam a morte torcendo para que seja indolor. Ouvi mais de trinta vezes a expressão “Deus te abençoe, meu filho”. Não sei ao certo como a vida me retribuirá pelo feito, mas uma coisa é certa, aqueles velhos fizeram eu me sentir melhor.
Há muitas incertezas nesse mundo. Muita discordância. Diferentes visões políticas, sociais, religiosas, ideológicas. Mas uma certeza coloca todos os habitantes do planeta como iguais: a certeza da Morte. Inevitavelmente, o ser humano vive em contagem regressiva desde o momento do nascimento, ou melhor, desde antes dele. O tempo tem efeito corrosivo sobre a pessoa. As feridas na alma vão cicatrizando e deixando marcas profundas no corpo. Foi numa conversa com a sempre entusiasmada em assuntos relacionados à psicologia e à vida e profunda entendedora da subjetividade, minha namorada Duda, que abri a cabeça para a seguinte questão: simultaneamente, o tempo é gentil e cruel com o ser humano.
Gentil por que ajuda a superar traumas, cicatriza feridas na alma, dissolve mágoas, cura mazelas sentimentais e dores de cotovelo. O tempo mostra sua face cruel quando arranca rapidamente a juventude da pessoa, apodrece a carne morosamente, promove um genocídio de neurônios a cada novo ano, surrupia o bom desempenho dos olhos. Marcas e mais marcas aparecem no corpo e na mente simbolizando o prenúncio dela: a morte. Há quem diga que não a teme, há quem sinta pavor só de tocar em seu nome, mas uma coisa é certa: ela é inevitável.

sábado, 5 de julho de 2008

ESCREVER


Quando escrevo driblo todos meus anseios. Idealizo personagem como eu gostaria de ser. Adiciono a ele tudo aquilo que me falta. Crio um herói. Faço isso geralmente à noite – quando os sonhos e demônios batem à porta da mente. Para transportá-los da fantasia para a vida no papel, trepo no muro das idéias e observo meus dedos baterem freneticamente no teclado que, por sua vez, chora sons ocos em ritmo sincopado. O resultado nem sempre é o esperado, claro. Mesmo que pretendesse, ainda não escrevi algo sensacional, admito. Algo que fizesse suspirar o coração mais gelado, que provocasse a reflexão do mais rigoroso intelectual, que enchesse meus bolsos de verdinhas. Queria ser jornalista escritor, aquele respeitado em qualquer redação. Tipo um Veríssimo só que menos gordinho. Enquanto o caça-talentos não bate à minha porta prometendo publicações de êxito, contento-me com a vida de estagiário e calouro de blog. A frase anterior pode soar pretensiosa, mas como o sonho é gratuito pratico sessões de devaneio nas horas em que o dia permite. Gostaria de ser um puta escritor, um fera, um batuta, um pica grossa, um bamba dono de texto fluido como córrego e caudaloso feito o Rio Amazônas. Autor de um livro de 500 páginas incapaz de causar cansaço ao leitor. Queira escrever algo sensacional. Ah, mas quer saber: também não estou com essa pressa toda. Quem sabe um dia eu consigo. Por enquanto tá difícil.

Parede Viva

Na mão direita, entre os dedos indicador e médio, ostenta um cigarro da graciosa. O polegar ataca as cordas do violão e dita o ritmo de uma juventude. Uma fina moldura preta delimita o pôster do Bob Marley feito a truculenta mão do mercado musical. Coloco-o no centro da parede. Observo. Comprei mais vários pôsteres e decorei minha vida só com gente que já deu dois passos na eternidade. Fiz uma parede mórbida com fotos de todos que, se pudesse, voltaria no tempo para vê-los no palco lançando suas rajadas performáticas. Certo dia busquei num centro kardecista a chance de ouvi-los post mortem com suas guitarras e violões espirituais. Desisti da idéia porque sinto um cagaço danado de fantasmas. O mais perto que consegui chegar deles foi pendurando-os em minha parede. Dividi o quarto por setores. Do lado direito, coloquei aqueles que gostaria de ter visto pessoalmente: Bob, Fred Mercury, Hendrix, Renato Russo, Elis, Cássia Eller e etcetera. Do esquerdo – o do coração – pendurei os que me envaidecem. Dorival Caymmi, por exemplo, habita a parte esquerda da parede do meu quarto – lado do coração, coração de brasileiro orgulhoso. Está lá porque tenho a impressão de conhecer sua obra a fundo, além de alimentar empatia paternal por aquela figurinha do bigode grisalho. A seu lado estão Vinicius, Tim Maia,Tom, Cartola, e muitos outros que me deixam saudoso de um tempo que nunca vivi. No topo da árvore moribunda estão dois pôsteres, de dois caras sensacionais – para mim os melhores – que empolgaram filhos e abalaram pais. Doidões com atitude rebelde e libertina, que até hoje lamento não tê-los visto. Um pecou por se entregar à poesia e ao lsd, o outro por não segurar sua libido e chafurdar-se no pó. Sim, Jim Morrison e Cazuza estão bem perto do teto do meu quarto. Rock mata cedo que nem vinho mata a timidez. Gostaria de ter visto a psicodelia do Morrison e as cusparadas de Cazuza sobre o moralismo da classe média. Ainda que tomada por quadros, há espaço para mais. Decidi pendurar de gente viva também, que viu esse povo de perto, participou das loucuras e está aí pra contar a história. Coloquei a Rita Lee ao lado do David Bowie. A primeira, porque viveu em meio à garotada que se embrenhava com empenho nas drogas. O segundo, porque deve ter deitado com o pessoal do Fred Mercury e não foi tocado pela maldita. Tenho mais três paredes no quarto, não sei com quem decorá-las. Sugestões?